Manaus, 19/04/2024

Amazonas

Acesso à justiça é negado por falta de comprovante de residência em nome do autor do processo

Acesso à justiça é negado por falta de comprovante de residência em nome do autor do processo
25/10/2021 10h07

Segundo advogados, muitos juízes não aceitam nem a declaração de residência de próprio punho ou ainda a declaração de vida e residência feita na delegacia

Os amazonenses foram pegos de surpresa em setembro deste ano com uma nova decisão. A Corregedoria-Geral dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (CGJECC) publicou, no dia 10 de setembro, a portaria nº1, no Diário de Justiça Eletrônico, em que proíbe o uso de comprovante de residência em nome de terceiros para uso processual como definidor de competência territorial para a distribuição de processos, mesmo que tenha declaração expressa do titular do comprovante em favor do possível autor. A decisão gerou desconforto para clientes e advogados de Manaus, pois, em razão da ausência do documento, o processo é arquivado.

Este foi o caso ocorrido com o Irlan S. C., mesmo tendo alegado que o comprovante de residência estava em nome do seu pai, não conseguiu seguir com o processo, que foi extinto pela falta do comprovante. (Processo n° 0756394-97.2020.8.04.0001)

Para os advogados, a decisão é um grande erro, tornando mais difícil o acesso ao judiciário. Segundo eles, muitos juízes não aceitam nem a declaração de residência de próprio punho ou ainda a declaração de vida e residência feita na delegacia. É o caso da Gisele V. A., mesmo fornecendo uma declaração própria, alegando a presunção de veracidade de suas afirmações, não conseguiu prosseguir com o processo. (Processo n° 0605870-02.2018.8.04.0020).

De acordo com o advogado Giacomo Dinelly, o novo provimento limita o acesso do cidadão ao judiciário. “Com a nova diretriz, o judiciário entende em ‘miúdos’ que todo cidadão maior de 18 anos deve ter um comprovante de residência em seu nome, o que é um absurdo”.

Excesso de formalidades

Para o advogado Thiago Coutinho, o problema na decisão é o excesso de formalidades e o uso de algumas prerrogativas para obstar (ou dificultar) o acesso à justiça. “Não se pode exigir além do necessário e do legal para que a parte acesse o judiciário, existem casos em que o processo é extinto porque o autor, que demonstra ser filho do titular do comprovante, não consegue prosseguir com o processo ou casos em que mesmo havendo a declaração do titular ou de ente público, existe a negativa”.

Coutinho explica que o que define “domicílio” é o ânimo de residir em determinado local, logo, para ele, a depender da espécie do processo, havendo a manifestação do autor dizendo que reside naquele local, deveria ser o suficiente.

“A competência territorial é relativa e pode ser contestada pela parte adversa; normas como a Lei 7.115/83 dão presunção de veracidade a declaração de residência do autor, e; ações com legislação diferenciada, como as consumeristas, permitem o ajuizamento tanto no domicílio do autor quando do Réu, ou seja, que diferença faz o requerente morar na comarca se o fornecedor lá tem sede?”, questiona.

Em busca de soluções

O advogado explica que para tentar resolver esta “barreira judicial”, busca montar o conjunto de provas conforme as normas locais, mas quando não é possível ou quando há obstáculos, mesmo com a juntada do comprovante de terceiros com a declaração, busca instruir ainda mais o processo.

“Procuro algo nos cadastros do cliente que denota sua residência: cadastros bancários, aplicativos de entrega e etc. Procuro documentos fiscais e financeiros como declaração de IPRJ. Acesso os registros públicos: Semef, Serasa/SPC, além de pedir buscas nos sistemas judiciais. Quando nada dá certo, recorro da decisão”, conta.

Na avaliação do Dr Giacomo, a solução encontrada por advogados foi de apresentar nos processos o domicílio de votação com a declaração de residência do autor para justificar a competência territorial, podendo não ser aceita. “Mas também não atende 100% dos casos. Temos clientes que votam no interior e moram na capital há décadas. Como a nova orientação está muito recente, essa foi uma medida alternativa que encontramos, mas só o tempo poderá nos dizer sobre a aceitação do judiciário”.

“Dificultam o acesso à justiça”

O Subprocurador de Prerrogativa do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da OAB/AM, Clailton Oliveira, afirma haver um entendimento errôneo do CPC. Na avaliação dele, um casal, por exemplo, tem uma certidão de casamento e esse documento deveria ser suficiente para comprovar que ambos moram juntos. Da mesma forma, pai e filho, para ele, se no documento de identificação (RG, CNH e outros) têm os nomes dos pais, logo se tem uma comprovação que o filho(a) mora com a mãe ou com pai.

“Da mesma forma é a questão de morar alugado. Se você mora alugado e junta num processo a declaração de residência ou até mesmo um contrato de aluguel, caso não tenha mudado as contas para o seu nome, já serve também, em nosso entendimento. Hoje o judiciário, alguns magistrados, não reconhece nada desta documentação, dificultando dessa forma o nosso trabalho no judiciário”, enfatiza.

O Dr Clailton discorda da maneira que está sendo cobrada e para ele, algumas documentações já deveriam ser suficientes. “Vejo isso como uma situação imposta por alguns magistrados que acabam dificultando o acesso à justiça. Está sendo cobrado uma situação inequívoca. Se você mora com seus pais, você não pode entrar com uma ação no judiciário, porque não tem um comprovante de residência em seu nome?”, questiona

“Magistrados podem verificar a existência de eventual tentativa de fraude”

A Coordenadoria-Geral dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do TJAM respondeu, por nota, que portaria n.º 01, de 09 de setembro de 2021 revogou a Portaria de n.º 001/2012 – CGJECC.

A Portaria n.º 001/2012, dentre outras providências, determinava que “as petições ajuizadas no sistema dos Juizados Especiais, venham de logo, acompanhada com os documentos indispensáveis à sua propositura, tais como: (…) b) na hipótese do comprovante de residência ser de terceiro, deverá ser apresentado declaração deste, afirmando ser também o domicílio do requerente, bem como cópia da identidade do declarante”. Dessa forma, durante a vigência da mencionada Portaria, em caso de comprovante de residência em nome de terceiro, era necessário que o Requerente apresentasse uma declaração do proprietário do imóvel, afirmando ser também o domicílio do requerente.

“Nesse contexto, houve casos de tentativa de fraude na distribuição dos processos, objetivando o direcionamento artificial a Juizados Especiais que prolatariam, em tese, sentenças de indenização mais severas, utilizando-se comprovantes de endereço e declarações de terceiros adulterados, que não correspondiam ao verdadeiro domicílio da parte requerente”, destacou.

CGJECC ressaltou que a Portaria n.º 01, de 9 de setembro de 2021, não proibiu a utilização de comprovante de endereço em nome de terceiros, entretanto, atualmente, os magistrados, quando da análise de cada caso concreto, podem verificar a existência de eventual tentativa de fraude e decidir pela admissão, ou não, de tais comprovantes e das respectivas declarações.

“Não se pode olvidar, ainda, que, ao longo dos anos e, notadamente, nos anos de 2020 e 2021, houve o acréscimo de distribuição de processos no âmbito dos Juizados Especiais, notadamente, em razão do surgimento de demandas em massa e predatórias – que são ações ajuizadas em grande número, através de petições padronizadas, artificiais e teor genérico, em nome de pessoas vulneráveis e que denotam, muitas vezes, o propósito de enriquecimento ilícito – de modo que é necessário que o Judiciário busque ferramentas a fim de evitar as fraudes processuais”, disse a nota.

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