Manaus, 17/05/2024

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BETH CARVALHO FICA NA HISTÓRIA COMO A VOZ REFERENCIAL DO SAMBA DA MELHOR QUALIDADE

BETH CARVALHO FICA NA HISTÓRIA COMO A VOZ REFERENCIAL DO SAMBA DA MELHOR QUALIDADE
30/04/2019 22h00

Por ter sido criada na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro (RJ), berço da Bossa Nova, Elizabeth Santos Leal de Carvalho (5 de agosto de 1946 – 30 de abril de 2019) poderia ter sido mais uma voz desse gênero que cruzou samba e jazz.

Mas Beth Carvalho, como ficou conhecida essa cantora carioca que morreu hoje na cidade natal a menos de uma semana de completar 73 anos, atravessou o Túnel Rebouças, foi para a Zona Norte e, no subúrbio carioca, interagiu com o universo de um samba mais popular, pé no chão, samba do qual se tornou voz referencial desde a década de 1970.

Uma voz do samba da melhor qualidade, como ela sempre fez questão de ressaltar e como cravou no título do samba de Arlindo Cruz e Almir Guineto (1946 – 2017) que lançou em 1985, Da melhor qualidade.

Mesmo quando teve que cantar deitada por causa de dores na coluna, como no show histórico que fez em 1º de setembro de 2018 na cidade natal do Rio de Janeiro (RJ), Beth Carvalho jamais tirou os pés desse chão brasileiro e popular sobre o qual assentou uma das discografias mais coerentes e relevantes da música brasileira.

Os epítetos Enamorada do sambão e Madrinha do samba ajudam a dar a medida da importância da artista, mas são insuficientes para dimensionar o legado de Beth Carvalho.

Presença respeitada nos fundos de quintais, Beth Carvalho abraçou definitivamente o samba a partir do segundo álbum, Canto por um novo dia (1973), disco em que gravou Folhas secas (Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito), samba que Elis Regina (1945 – 1982) tentou tomar de Beth, mas que Beth soube tomar de volta para ela, como era da vontade do compositor Nelson Cavaquinho (1911 – 1986).

Oito anos antes, Beth estreara no mercado fonográfico em 1965 com compacto que trazia as músicas Namorinho (Mário de Castro e Athayde) e Por quem morreu de amor (Roberto Menescal e Roberto Bôscoli), arranjadas por Eumir Deodato. Em 1967, gravou álbum como vocalista do conjunto 3D.

Contudo, Beth somente se fez ouvir de fato pelo Brasil ao defender Andança (Edmundo Souto, Paulinho Tapajós e Danilo Caymmi) com o grupo Golden Boys no III Festival Internacional da Canção, em 1968. No rastro desta projeção inicial, a cantora gravou em 1969 o primeiro álbum solo, não por acaso intitulado Andança.

Após esse álbum inicial, Beth Carvalho viveu período de entressafra até se encontrar artisticamente no meio do samba. Os três álbuns que gravou para a pequena gravadora nacional Tapecar – o citado Canto por um novo dia (1973), Pra seu governo (1974) e Pandeiro e viola (1975) – ajudaram a cantora a encontrar o próprio caminho e a delinear a identidade de sambista no mercado fonográfico.

O sucesso radiofônico dos sambas 1.800 colinas (Gracia do Salgueiro, 1974) e Enamorada do sambão (Martinho da Vila, 1975) pavimentaram esse caminho e reabriram para Beth as portas da gravadora multinacional RCA, na qual ela gravara o compacto inicial de 1965.

Na RCA, companhia na qual estreou em 1976 com o álbum Mundo melhor, Beth viveu o auge artístico e comercial da carreira, dando voz aos maiores compositores de samba do Rio de Janeiro. Naquela altura, ela já era uma cantora associada ao samba, dividindo os holofotes com Alcione e com Clara Nunes (1942 – 1983), contratadas de gravadoras concorrentes.

O álbum Nos botequins da vida (1977) ampliou o sucesso de Beth, mas o disco mais importante da cantora na década de 1970 foi o álbum De pé no chão (1978), cujo sucesso foi impulsionado pelo samba Vou festejar (Neoci Dias, Dida e Jorge Aragão, 1978).

amba obrigatório em todo show de Beth, Vou festejar foi o grande sucesso deste disco que deu passo adiante na história do samba por apresentar nova modalidade de cantar e tocar samba, com instrumentos como o tantã e o banjo, tal como se praticava na aglutinadora quadra do bloco carioca Cacique de Ramos, frequentada por Beth quando ela percebeu o potencial de uma geração de compositores e ritmistas.

Essa geração destacou o grupo Fundo de Quintal e Zeca Pagodinho, ambos lançados no mercado (em 1980 e em 1983, respectivamente) com o aval da Madrinha do samba.

A partir de então, Beth permaneceu associada ao samba do Cacique de Ramos, gravando a turma de bambas nos álbuns No pagode (1979), Sentimento brasileiro (1980), Na fonte (1981), Coração feliz (1984), Beth (1986) e Ao vivo em Montreux (1987), disco gravado em show em festival suíço que encerrou a passagem de Beth Carvalho pela gravadora RCA.

Mesmo sem bisar o sucesso comercial de outrora, Beth manteve o padrão de qualidade do samba ao ingressar em 1988 na gravadora PolyGram, por onde lançou álbuns primorosos como Alma do Brasil (1988), Saudade da Guanabara (1989) e Intérprete (1991). O samba de Beth Carvalho sempre foi alegre, mas a alegria foi expressada com a consciência social e política dessa cantora alinhada com os partidos de esquerda, posição herdada do pai militante, João Francisco Leal de Carvalho, cassado em 1964 pelo governo militar instaurado à força no Brasil. O mesmo Brasil que, na década de 1990, já preferia ouvir o pagode com teclados de grupos como Raça Negra do que o samba batido na palma da mão e propagado por Beth Carvalho.

Sem jamais abrir mão do samba da melhor qualidade, Beth Carvalho teve que se adequar às leis que passaram a reger a indústria da música a partir dos anos 1990. O álbum Ao vivo no Olympia (1991) marcou o início de fase em que a discografia da cantora passou a ser pautada pelos chamados projetos, jargão fonográfico que designa discos com regravações de sucessos.

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