Manaus, 28/03/2024

Brasil

Em meio a investigação de desvios de remédios, Distrito responsável pela Saúde Yanomami é o que mais gasta no país

Mãe dá xarope ao filho doente apos receber visita de técnico em enfermagem após cerca de dois anos sem visita de profissional da saúde em Xaruna — Foto: Alexandre Hisayasu/Rede Amazônica
Mãe dá xarope ao filho doente apos receber visita de técnico em enfermagem após cerca de dois anos sem visita de profissional da saúde em Xaruna — Foto: Alexandre Hisayasu/Rede Amazônica
01/12/2022 10h20

O Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y) foi o que mais gastou entre os distritos do país. O total de gastos somam R$ 130 milhões de 2020 a julho deste ano. Os valores foram divulgados pelo Ministério Público Federal (MPF) em documento que pede a intervenção federal no DSEI-Y.

No documento, o órgão menciona que apesar do volume de gastos, o Distrito é apenas o 10º mais populoso do país entre os 34 divididos nos territórios indígenas. A Terra Yanomami, atendida pelo Dsei, tem cerca de 28 mil indígenas e 10 milhões de hectares distribuídos no Amazonas e em Roraima.

Os recursos gastos pelo Dsei, no entanto, ocorrem em meio a falta de medicamentos enfrentada pelos yanomami. Nessa quarta-feira (30), a Polícia Federal deflagrou a operação Yoasi, contra fraude na compra dos remédios destinados aos indígenas.

As investigações apontaram que o esquema implementado no DSEI-Y teria deixado 10.193 crianças desassistidas, resultando no aumento de infecções e manifestações de formas graves da doença, com crianças expelindo vermes pela boca.

“A despeito dos recursos investidos, acumulam-se representações de lideranças, comunidades e associações indígenas, bem como dos órgãos de controle social da Saúde Indígena, quanto ao mal funcionamento dos serviços prestados pelo DSEI Yanomami”, ressaltou o MPF.

O documento detalha que foram gastos R$ 42 milhões de reais em 2020, R$ 54 milhões em 2021 e R$ 34 milhões em 2022. Além dos gastos anuais, o MPF estima que outros R$ 95 milhões foram destinados à entidade conveniada Missão Evangélica Caiuá.

O órgão informou ainda que, durante as apurações, identificou que o DSEI Yanomami contratou no ano de 2021 o valor de R$ 3 milhões em medicamentos essenciais – incluindo o vermífugo albendazol -, mas apenas uma parte muito pequena foi efetivamente entregue ao órgão de saúde e distribuída aos indígenas.

Além disso, o órgão menciona que a falta de medicamento reflete diretamente em mais remoção de indígenas para tratamento médico em áreas urbanas, ou seja, mais gasto com transporte aéreo.

No total, de acordo com a própria Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) dos R$ 42 milhões destinados a ações de saúde no ano de 2020, R$ 28 milhões foram utilizados em horas-voo. O valor foi superado em 2021 com R$ 29 milhões, com tendência de alta em 2022.

“Mais investimento, por si só, não reflete necessariamente na qualidade do serviço se não for garantida a lisura e eficiência dos recursos públicos empenhados”, destacou.

Investigações

Polícia Federal cumpre mandos de busca e apreensão em operação contra fraude em compra de remédios para indígenas — Foto: Polícia Federal/Divulgação

Polícia Federal cumpre mandos de busca e apreensão em operação contra fraude em compra de remédios para indígenas — Foto: Polícia Federal/Divulgação

A investigação foi aberta pela PF após o recebimento de um inquérito civil, conduzido pelo MPF, a partir de uma denúncia feita pelo Fantástico, sobre a situação dramática de crianças doentes, com desnutrição, malária e verminoses na Terra Indígena Yanomami.

Entre os alvos da PF estão os dois ex-coordenadores do Dsei Yanomami Rômulo Pinheiro e Ramsés Almeida da Silva – exonerado no último dia 22, a farmacêutica Cláudia Winch Ceolin, o assessor de Ramsés, Cândido José de Lira Barbosa, e o empresário Roger Henrique Pimentel, dono da empresa Balme Empreendimentos LTDA – todos investigados por participação no esquema.

As investigações indicam que os dois coordenadores, à época de suas respectivas gestões, firmaram o contrato com a Balme para o fornecimento de 90 tipos de medicamentos. Mas, a empresa entregou menos de 30% do previsto. O esquema teve a participação dos servidores ligados a eles e do dono da empresa contratada. A estimativa da PF é que esquema de desvio tenha movimentado R$ 600 mil.

O esquema também simulava o envio de medicamentos para as aldeias da TI Yanomami por meio de registros falsos no Sistema Nacional de Gestão da Assistência Farmacêutica. Para evitar o total desabastecimento e disfarçar as irregularidades, a empresa contratada realizava doações de medicamentos em pequenas quantidades.

Essas irregularidades, conforme o MPF, é resultado da nomeação de coordenadores distritais por critérios políticos ao invés de técnicos.

Por se tratar de irregularidades amplamente disseminadas no DSEI-Y, o MPF quer que o Ministério da Saúde nomeie um interventor para a chefia do órgão e para garantia da correta aplicação das verbas destinadas ao atendimento dos indígenas.

Terra Yanomami

No meio da Amazônia, garimpeiros ilegais destroem a floresta em busca de ouro, enquanto indígenas que vivem em comunidades isoladas geograficamente e de difícil acesso sofrem com falta de assistência regular de saúde.

Essa ausência deixa os Yanomami vulneráveis aos invasores e a doenças. As cenas reportadas pelo Fantástico e no g1 evidenciaram a precariedade na assistência de saúde, o que resulta em desnutrição e malária – situação em grande parte agravada pelo garimpo ilegal.

Com mais de 370 aldeias e quase 10 milhões de hectares que se estendem por Roraima, fronteira com a Venezuela, e o Amazonas, a reserva Yanomami, a maior do país, enfrenta problemas tão grandes quanto a sua extensão territorial.

Ao todo, são 28 mil indígenas que vivem isolados geograficamente em comunidades de difícil acesso, mas que, em grande parte, já sofreram alguma intervenção de fora, com a ocupação de não indígenas, como é o caso dos garimpeiros – estimados em 20 mil.

Em um cenário dramático, a reportagem registrou cenas inéditas e exclusivas de crianças extremamente magras, com quadros aparentes de desnutrição e de verminose, além de dezenas de indígenas doentes com sintomas de malária nas três comunidades visitadas: Xaruna, Heweteu I e II.

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