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FRUSTRAÇÃO COM BAIXOS SALÁRIOS LEVA PROFESSORES A DISPUTAREM ELEIÇÕES NOS EUA

FRUSTRAÇÃO COM BAIXOS SALÁRIOS LEVA PROFESSORES A DISPUTAREM ELEIÇÕES NOS EUA
28/09/2018 16h00

Ao longo de sete anos em sala de aula, a professora Carri Hicks se acostumou a condições comuns em escolas públicas em diversos Estados americanos: queda de investimento, baixos salários, aumento no número de estudantes por turma, falta de material escolar e fuga de profissionais qualificados.

Frustrada com a falta de soluções por parte de políticos tradicionais, Hicks decidiu enfrentar o problema por conta própria e se candidatou pelo Partido Democrata a uma cadeira no Senado estadual em Oklahoma.

Ela faz parte de uma onda de professores que estão disputando cargos públicos pela primeira vez nas eleições legislativas de 6 de novembro, impulsionados pelo que consideram indiferença de legisladores diante da deterioração da educação pública em várias partes do país.

“Nos últimos 10 anos, o financiamento para educação pública em Oklahoma sofreu corte de 28%, mais do que em qualquer outro Estado”, disse Hicks à BBC News Brasil.

“Como resultado, temos salas de aula superlotadas e falta de verbas para itens básicos. Apesar dos baixos salários, muitos professores acabam pagando do próprio bolso por material como cadernos e lápis para os estudantes”, observa Hicks, de 35 anos, que leciona Matemática e Ciências para alunos do quarto ano do Ensino Fundamental.

Movimento

Nos Estados Unidos, a educação pública é gerida individualmente pelos Estados, que têm autonomia para decidir sobre investimentos, salários e funcionamento das escolas.

Oklahoma faz parte de um grupo de Estados em que governos republicanos implementaram uma política de corte de impostos e gastos públicos. Segundo críticos, essas medidas acabaram prejudicando setores como o de Educação.

Em Oklahoma, a falta de financiamento chegou a fazer com que algumas escolas públicas abrissem somente quatro dias por semana. O salário médio anual de um professor no Estado gira em torno de US$ 45 mil, um dos menores do país. Para profissionais em início de carreira, os valores podem ficar abaixo de US$ 30 mil, montante inferior ao pago em outros setores que exigem o mesmo nível educacional.

Muitos professores em diferentes Estados são obrigados a ter um segundo emprego para sobreviver. Os mais qualificados acabam abandonando a profissão ou buscando trabalho em partes do país que oferecem melhores condições.

Essa situação gerou uma revolta de professores em abril deste ano. O movimento foi iniciado em West Virginia, com reivindicações de melhores salários e plano de saúde, e rapidamente se espalhou por outros cinco Estados, com protestos e paralisações, que em alguns locais se estenderam por mais de uma semana.

No Arizona, o governador republicano Doug Ducey prometeu aumento de 20% em 2020. Em Oklahoma, os legisladores chegaram a quebrar o tabu de governos republicanos ao sugerir elevar impostos sobre cigarros e outros produtos para pagar por melhores salários para os professores.

Mas essas propostas não foram consideradas satisfatórias pelos manifestantes, que exigiam maior financiamento para escolas públicas.

Muitos legisladores de Oklahoma criticaram os professores por não reconhecerem o risco político que haviam assumido ao propor um aumento de impostos, o primeiro desde 1990. O embate levou a governadora Mary Fallin a comparar as exigências dos professores às de “um adolescente que quer um carro melhor”.

Ação política

Os protestos de abril revelaram não apenas a dificuldade em obter maior financiamento para educação pública, mas também o apoio da população às causas defendidas pelos professores. Nesse cenário, muitos decidiram enfrentar nas urnas os mesmos políticos que rejeitaram suas reivindicações.

“Há um enorme apoio do público não apenas ao aumento de salários para professores, mas também ao direito dos professores de protestar”, disse à BBC News Brasil a cientista política Elizabeth Mann Levesque, especialista em educação do Brown Center on Education Policy, ligado ao centro de pesquisas Brookings Institution.

Não há dados oficiais sobre o número de professores concorrendo nestas eleições. A Federação Americana de Professores, segunda maior união de educadores nos EUA, calcula que 300 membros estão disputando cargos públicos, o triplo do registrado nas duas últimas eleições. Esses candidatos concorrem tanto como democratas quanto como republicanos.

“Não é incomum que professores concorram a cargos públicos, mas tipicamente são posições ligadas à Educação. Neste ano, porém, estamos vendo muitos educadores disputando cadeiras nos legislativos estaduais e locais, o que é diferente”, disse à BBC News Brasil o economista especializado em educação Michael Hansen, diretor do Brown Center on Education Policy.

A maioria dos professores busca vagas nas assembleias e senados estaduais, onde debates sobre Educação vêm dominando várias campanhas. Em nível federal, segundo Hansen, o tema não costuma ter muito destaque em eleições legislativas de meio de mandato, como esta.

Surpresas

O movimento dos professores já provocou surpresas durante as eleições primárias. Em Kentucky, o professor de matemática Travis Brenda, que tem 20 anos de profissão e nunca havia concorrido a cargo público, venceu a primária do Partido Republicano para disputar uma vaga na Assembleia Legislativa estadual. Brenda derrotou o líder da maioria republicana, Jonathan Shell, que havia proposto cortes no sistema de aposentadorias dos professores.

Em Oklahoma, dos 19 legisladores republicanos que haviam votado contra o aumento de impostos para cobrir os salários dos professores, sete decidiram não tentar a reeleição. Dos outros 12, oito foram derrotados nas primárias.

A impopularidade dos republicanos por conta dos problemas na Educação também pode ser vista na disputa para governador. Em um Estado em que o presidente Donald Trump venceu com 65% dos votos, pesquisas mostram o candidato democrata Drew Edmondson em empate técnico com o adversário republicano, Kevin Stitt. Ex-procurador-geral de Oklahoma, Edmondson foi professor de Ensino Médio antes de ingressar na Faculdade de Direito, e fez da Educação um dos principais focos de sua campanha.

No Arizona, o governador Ducey, que busca a reeleição, vai enfrentar o democrata David Garcia, professor universitário. A Educação também vai ser tema de um referendo. Os proponentes querem impedir a expansão de um programa que oferece vouchers para que, em vez de se matricular em escolas públicas, os estudantes possam usar os recursos em instituições particulares.

Esse sistema existe em vários Estados e tem entre seus defensores a secretária de Educação dos Estados Unidos, Betsy DeVos. Mas críticos dizem que os vouchers reduzem o financiamento das escolas públicas, que abrigam 92% dos estudantes americanos.

Segundo Hicks, durante a campanha é comum ouvir pais dizerem que gostariam de colocar os filhos em escolas públicas, mas acreditam que essas instituições estão falhando em sua missão.

“Eu compreendo completamente. É uma crítica dura, mas que as escolas públicas precisam ouvir. Ainda temos muito trabalho pela frente para garantir uma educação gratuita e de qualidade para todos.”

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