Em contrapartida, o EP exala sopro de novidade no formato de voz & violão – o violão de Wilson Lopes, músico que vem dividindo o palco com Milton em recentes shows do cantor. Por incrível que possa soar em 2018, este formato acústico de voz e violão é inédito na discografia construída por Milton ao longo de 51 anos, geralmente com aparatos orquestrais.
Amparado pela beleza dos acordes tirados por Wilson Lopes no violão, Milton faz a festa da voz no disco. Divina, como já caracterizou Elis Regina (1945 – 1982), essa voz por vezes tem perdido potência e viço nas apresentações ao vivo de Milton. No EP gravado em estúdio, ela ainda resplandece e se ilumina quando o cantor tira vocais da cartola para encarar uma música já tão abordada quanto a fraterna Canção da América (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1969).
Mesmo sem resistir a comparações com o canto do intérprete na áurea década de 1970, essa voz ainda tem o dom de atiçar emoções profundas no ouvinte. Das seis músicas do disco, a única que soa realmente frágil no confronto com registros anteriores é Beco do Mota (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1969), com a ressalva de que a lembrança da composição é importante pelo momento social do Brasil.
Em compensação, Cuitelinho (tema tradicional em adaptação de Paulo Vanzolini, 1974) tem a raiz caipira realçada no toque da viola em interpretação pungente que sintoniza o mesmo universo interiorano de O cio da terra (Milton Nascimento e Chico Buarque, 1977), música que abre o EP.
Já Maria Maria (Milton Nascimento e Fernando Brant) pode até já ter ganhado gravações mais apoteóticas (embora a atual seja luminosa), mas se justifica no EP pela edição simultânea do clipe – o primeiro da música – gravado com atrizes como Camila Pitanga e Zezé Motta. Afinal, em tempos digitais, o apelo visual é decisivo no mercado da música.
De todo modo, Milton prescinde de apelos porque ainda é um senhor cantor, como comprova o bailado vocal do artista em A festa (Milton Nascimento, 2003), única letra até então inédita na feminina voz do cantor.
Lançada por Maria Rita há 15 anos, no primeiro álbum da filha de Elis Regina, A festa é a versão com letra de música desenvolvida por Milton com alardeada inspiração em La bamba, tema tradicional mexicano apresentado em 1958 no universo pop com letra de Ritchie Vallens (1949 – 1959) e reciclado por Milton trinta anos depois no álbum Miltons(1988).
A música flui divinamente na dança da voz. Violão à parte, o fato é que Milton Nascimento, quase aos 76 anos (a serem completados em outubro), ainda é capaz de fazer a festa da voz. (Cotação: * * * 1/2)