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NOS EUA, A CURTA DISTÂNCIA ENTRE A PALAVRA E UM CRIME DE ÓDIO

NOS EUA, A CURTA DISTÂNCIA ENTRE A PALAVRA E UM CRIME DE ÓDIO
30/10/2018 14h30

Em menos de uma semana, o terror doméstico assombrou os americanos em três crimes motivados pelo ódio, que fizeram 13 mortos e disseminaram 14 cartas-bomba pelo país, endereçadas a críticos de Trump. E tudo sempre começa com a fala, conforme observou o rabino Jeffrey Myers, da sinagoga Tree of Life, em Pittsburgh, invadida no sábado de manhã por um supremacista gritando que todos os judeus deveriam morrer, enquanto alvejava os frequentadores do culto.

Num país que assegura a liberdade de expressão a todos, o discurso do ódio vem se propagando num ritmo galopante desde a eleição de Donald Trump, em 2016. E o conteúdo virulento das mensagens enviadas pelo presidente dá munição e encoraja extremistas.

Durante a campanha, ele entoou mantras como “o Islã nos odeia”. Já eleito, tentou manter-se imparcial, colocando no mesmo patamar extremistas que disseminam o ódio e ativistas que o combatem, num tema que claramente não dá espaço à neutralidade de um líder: Trump alegou ver “pessoas muito boas em ambos os lados” após confrontos deflagrados por um protesto de supremacistas contra negros, judeus, gays e imigrantes em Charlottesville, Virgínia.

A retórica do presidente à sua base insuflou a direita radical, tirando da sombra um mosaico de grupos supremacistas adormecidos desde a década de 1970. “Trump nos empoderou”, declarou David Duke, ex-líder da Ku Klux Klan, considerado pela Liga Antidifamação o mais conhecido antissemita e racista americano.

Tanto o FBI quanto entidades que monitoram grupos extremistas registram o aumento de crimes de ódio. Um relatório da Liga Antidifamação, por exemplo, revelou que em 2017 incidentes antissemitas cresceram 57% e episódios de ódio contra muçulmanos, 15% em relação ao ano anterior.

Já o Government Accountability Office, que fornece dados do governo para o Congresso americano, mostra que desde o 11 de Setembro radicais de extrema-direita cometeram no país três vezes mais ataques do que os de origem islâmica.

As leis de crime de ódio foram promulgadas em 45 estados e no Distrito de Colúmbia, destinadas a enquadrar quem comete violência motivado por preconceitos a raça, religião, orientação sexual, deficiência ou gênero.

“Os americanos são livres para pensar, pregar e acreditar no que quiserem. Mas o estatuto do crime de ódio pode ser desencadeado quando alguém comete uma ação violenta baseado nestas crenças preconceituosas”, relatou o advogado Michael Lieberman, da Liga Anti-Difamação, em artigo no “Washington Post”.

Cesar Altieri Sayoc, acusado de enviar pacotes-bomba a políticos nos EUA — Foto: Broward County Sheriff's Office/Handout via ReutersCesar Altieri Sayoc, acusado de enviar pacotes-bomba a políticos nos EUA — Foto: Broward County Sheriff's Office/Handout via Reuters

Cesar Altieri Sayoc, acusado de enviar pacotes-bomba a políticos nos EUA — Foto: Broward County Sheriff’s Office/Handout via Reuters

Quando, na mesma semana, um homem branco entra numa mercearia no Kentucky e atira, a esmo, em dois negros, outro abre abre fogo numa sinagoga em Pittsburgh, fuzilando 11, e um terceiro manda, da Flórida, 14 cartas-bomba a críticos do presidente, americanos se perguntam o que fazer para estancar o ciclo de violência promovido pelo ódio.

“É uma coisa muito terrível o que está acontecendo com o ódio no nosso país. Alguma coisa tem que ser feita”, afirmou Trump logo após o ataque de Pittsburgh. Suas propostas, contudo, não combatem as causas: o presidente defendeu guardas armados em locais de culto e a pena de morte para autores de massacres.

O prefeito de Pittsburgh, Bill Peduto, contestou a solução de Trump: “O que precisamos é entender como tirar as armas — que é o denominador comum de todo tiroteio em massa nos EUA — das mãos daqueles que estão procurando expressar o ódio pelo assassinato.”

A atmosfera polarizada, e também contaminada, se acirra a uma semana das eleições legislativas, que definirão o rumo do governo na segunda metade do mandato presidencial. Um marco desta divisão é a petição assinada por milhares de judeus contra a presença de Trump em Pittsburgh durante os primeiros funerais das vítimas do massacre na sinagoga. O presidente não será bem-vindo enquanto não denunciar o nacionalismo branco, diz o texto. Mas o presidente é branco, se diz nacionalista e até agora não tem denotado qualquer demérito nesta expressão.

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