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Origem do coronavírus: morcego e acidente de laboratório são pontos investigados

Origem do coronavírus: morcego e acidente de laboratório são pontos investigados
24/06/2021 13h50

Quase quatro milhões de mortos no mundo em um ano e meio – mais de 500 mil só no Brasil. Nações se fecharam, se abriram, se uniram na busca por protocolos, vacinas, medicamentos, por uma saída. Mas até hoje não se pode afirmar com precisão a origem do novo coronavírus, causador da doença que varre o planeta, a Covid-19.

A possibilidade mais plausível era a de que a evolução natural teria se encarregado de permitir que um vírus que habita morcegos contaminasse humanos. A hipótese de a origem da pandemia ter sido um laboratório e a China ter manipulado, propositalmente, o coronavírus.

Nas últimas semanas, porém, cientistas renomados e figuras que investigam o caminho do vírus até os humanos passaram a aventar um cenário em que um acidente de laboratório seja a origem da pandemia.

Em maio deste ano, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, deu 90 dias para que os serviços de inteligência do país produzam, com “esforço redobrado”, um novo relatório sobre as origens do coronavírus – medida considerada “manipulação política” e “desrespeito à ciência” pela China.

O argumento americano é de que os dados atuais são insuficientes para determinar se o vírus veio da natureza ou escapou, acidentalmente, do Wuhan Institute of Virology (WIV), laboratório que trabalha com engenharia genética de diferentes coronavírus e que fica a poucos quilômetros do mercado ligado ao primeiro surto da Covid, que aconteceu no fim de 2019.

A hipótese dos morcegos

Em uma amostra de 41 dos primeiros casos confirmados, 70% dos infectados eram fregueses e vendedores do Mercado de Frutos do Mar de Huanan, ponto tradicional do comércio de carne de animais selvagens, incluindo bichos vivos.  Entre os produtos à venda nas prateleiras, estavam iguarias como língua de crocodilo, escorpiões, raposas, salamandras e filhotes de lobos.

As circunstâncias lembravam as origens de duas outras epidemias: a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars, na sigla em inglês) de 2002, também registrada inicialmente na China; e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers), com o primeiro caso na Arábia Saudita, em 2012. Ambas se originaram de vírus de morcegos que, antes de infectar humanos, passaram uma temporada por outros hospedeiros. Na Sars, civetas, animal selvagem vendido em mercados como o de Wuhan. E na Mers, camelos.

Em 11 de janeiro de 2020, data em que a Covid-19 fez a primeira vítima fatal de que se tem notícia –  um frequentador assíduo do mercado –, cientistas chineses revelavam uma importante descoberta: a sequência genética do novo vírus, que ganhou o nome de Sars-CoV-2.

A análise revelou parentesco com um coronavírus de morcego chamado RaTG13, que já tinha amostras armazenadas no WIV, o laboratório de Wuhan. Os dois genomas têm semelhança de 96% – algo aproximadamente equivalente à diferença genética entre humanos e orangotangos.

A hipótese do acidente

O elo perdido é apontado por alguns como argumento para a investigação da hipótese de o novo coronavírus ter escapado, acidentalmente de um laboratório. Entre os defensores da ideia está o jornalista e escritor especializado em ciência Nicholas Wade, com passagem em veículos de peso, como os periódicos científicos Nature e Science HIV e o jornal The New York Times.

“Cerca de 15 meses depois do início da pandemia do Sars-COV-2, os pesquisadores chineses não conseguiram encontrar a população original de morcegos ou a espécie intermediária para a qual o vírus poderia ter migrado”, afirmou ele em reportagem de repercussão internacional publicada em maio no periódico norte-americano Bulletin of the Atomic Scientist.

Mas o fato em si não prova nada. “A falta de identificação de um hospedeiro não significa que não seja zoonose”, declarou o infectologista Ricardo Diaz, chefe do laboratório de retrovirologia da Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ele exemplifica: “Até agora não encontramos na natureza o link para um tipo de HIV do grupo 1, mas, ainda assim, sabemos que o vírus tem origem no gorila”.

A refuta da hipótese

Pouco depois do início do surto na China, duas publicações científicas de prestígio trouxeram textos descartando a possibilidade de o vírus ter surgido no laboratório WIV. “Todos nós condenamos veementemente as teorias da conspiração que sugerem que a Covid-19 não tenha origem natural”, dizia carta publicada em fevereiro de 2020 no periódico britânico “The Lancet”, assinada por 17 cientistas.

Os autores basearam o argumento no primeiro sequenciamento genético do novo coronavírus, sem maiores detalhamentos. Em tempo: segundo Wade, o esboço do comunicado é de autoria de Peter Daszak, presidente da EcoHealth Alliance, entidade que financiou pesquisas no WIV com subsídios do governo dos EUA – conflito de interesse não mencionado pelo “The Lancet”.

Daszak virou notícia pelo mundo afora também por outro motivo: o email que enviou em abril de 2020 ao conselheiro da Casa Branca para assuntos relacionados à Covid-19, o infectologista Anthony Fauci. Na mensagem, ele elogiava o médico pela “coragem” por ter refutado a hipótese da origem em laboratório.

Com base nessas e em outras mensagens, divulgadas pela mídia no começo deste mês, críticos acusaram Fauci de ter vínculos com figuras por trás da pesquisa do WIV. Fauci negou as acusações, disse ter a “mente aberta” para a possibilidade de o vírus ter escapado de um laboratório, mas afirma acreditar que a origem natural é mais provável.

Em março do ano passado, um mês após a polêmica carta publicada no “The Lancet”, outro grupo de cientistas afirmou na revista “Nature Medicine”: “Não acreditamos que qualquer tipo de cenário laboratorial seja plausível”. Os pesquisadores alegavam que os coronavírus surgem comumente na natureza. Também diziam que não havia sinais de manipulação genética na sequência do SARS-CoV2.

A reportagem de Wade contesta essa ideia, com o pressuposto de que nem todas as técnicas de engenharia genética deixam pistas. O autor também alega que, entre os quatro níveis de segurança possível, o WIV realizou grande parte dos experimentos com coronavírus no nível 2, o segundo menos rigoroso, o que aumentaria o risco de acidentes.

As investigações

Se for o mesmo o caso, por que os chineses teriam transformado o vírus no laboratório de Wuhan?  “Não há evidências de que o SARS-CoV2-2 tenha sido produzido como parte de um programa de armas biológicas. Mas é possível que tenha sido gerado como parte de um esforço para produzir uma vacina eficaz contra todos os betacoronavírus”, afirmou Wade em entrevista por e-mail à CNN.  “Outra possibilidade é militares chineses terem apoiado ou participado de tal programa para garantir uma vacina para suas tropas. Se for o caso, isso não seria surpreendente nem maléfico.”

Embora reconheça que, em casos raros, acidentes podem ocorrer, o documento diz que “não há registros de vírus relacionados ao SARS-CoV-2 em qualquer laboratório antes de dezembro de 2019, ou genomas que em combinação poderiam fornecer um genoma SARS-CoV-2″.

Segundo o relatório, a possibilidade de contágio por meio de um animal que tenha contraído o vírus de um animal de outra espécie é “provável ou muito provável”. A conclusão, porém, foi feita sem a pesquisa de registros de dados originais do laboratório, com acesso vetado pelas autoridades chinesas. A censura do material despertou críticas do próprio diretor-geral da OMS, que defendeu a realização de novos estudos.

Também expressaram insatisfação com a falta de transparência da China os Estados Unidos e outros 13 países, como Coreia do Sul, Austrália e Reino Unido.  “Dado o grau da influência chinesa na OMS, as conclusões da equipe provavelmente já estavam esboçadas mesmo antes de pousarem em Pequim”, afirmou Wade.

 

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