Manaus, 26/04/2024

Economia

Análise: Por que a Ford escolheu a Argentina em vez do Brasil

Análise: Por que a Ford escolheu a Argentina em vez do Brasil
12/01/2021 10h50

A notícia da saída da Ford do Brasil, que deve custar mais de 5 mil empregos, pegou boa parte do mercado de surpresa. Mas, ao analisar os fatos ocorridos nos últimos anos, dava para perceber que a montadora estava perto de reformular toda a sua atuação no Brasil. Falta de anúncios de investimentos por aqui, fechamento da fábrica em São Bernardo do Campo (SP) e a queda na venda de veículos nos últimos anos (mesmo com a alta das vendas do setor como um todo) eram alguns dos sinais.

Poderia ser algo global, afinal o setor automotivo não anda bem das pernas nos últimos anos e a companhia já havia anunciado a paralisação da produção de diversos carros de passeio ao redor do mundo, incluindo nos Estados Unidos.

Mas a Argentina parecia diferente para a Ford. Mesmo com um país em uma crise tão ruim (ou até pior) do que a do Brasil, a montadora americana anunciou o investimento de R$ 3 bilhões por lá no mês passado. Cerca de 70% desse valor será investido na fábrica de General Pacheco, em Buenos Aires.

Na Argentina, a Ford investe em carros grandes, como picapes e SUVs. A Ranger vendida aqui no Brasil, por exemplo, vem de lá. O Brasil, historicamente, concentrou a produção dos carros de passeio, graças ao seu mercado interno robusto. Porém, os carros populares, aparentemente, não eram mais tão lucrativos para a Ford.

“Nosso dedicado time da América do Sul fez progressos significativos na transformação das nossas operações, incluindo a descontinuidade de produtos não lucrativos e a saída do segmento de caminhões”, disse Lyle Watters, presidente da Ford na América do Sul, em nota.

“Esses esforços melhoraram os resultados nos últimos quatro trimestres, entretanto a continuidade do ambiente econômico desfavorável e a pressão adicional causada pela pandemia deixaram claro que era necessário muito mais para criar um futuro sustentável e lucrativo”, completou.

Então, já que a Argentina era um país com expertise para a fabricação desses modelos de maior valor agregado, foi mais fácil ficar por lá. A questão, agora, não é tanto escala para a Ford, como disse a montadora em nota. O foco da empresa, agora, é a “oferta de veículos conectados de alto valor agregado e qualidade.” Há mais de uma década esse é o perfil da produção argentina. 

Segundo o consultor da ADK, Paulo Garbossa, especializado no setor, o Brasil deveria ter focado em picapes e SUVs, que são os queridinhos dos consumidores há algum tempo, e, também, em resolver a bagunça tributária. De repente, assim, a Ford teria ficado por aqui. Mas o fato de os custos fixos no país vizinho serem mais baixos, como os gastos com a mão de obra, também podem ter pesado na decisão. 

Um estudo da Associação Nacional das Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) mostra que um carro no Brasil paga entre 48,2% e 54,8% de taxa, levando todos os impostos como ICMS, ISS, PIS e Cofins (e o efeito cascata embutido nele).

“Entendemos que a decisão está alinhada a uma estratégia de negócios da montadora. Mas, o ambiente de negócios é um dos fatores que pesam no momento de decisão sobre onde permanecer e onde fechar”, disse Carlos Abijaodi, diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI.

Não por acaso, após o anúncio da montadora, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), postou em sua conta do Twitter que a decisão é uma demonstração da falta de credibilidade do governo brasileiro, de regras claras, de segurança jurídica e de um sistema tributário racional.

“O sistema que temos se tornou um manicômio nos últimos anos, que tem impacto direto na produtividade das empresas”, escreveu.

Queda nas vendas

Mas a montadora americana também não pode falar que a crise brasileira e a pandemia foram os únicos responsáveis pelo momento ruim dela no país. Ao contrário. A empresa, nos últimos anos, vinha perdendo espaço tanto em volume quanto em participação de mercado.

Para se ter uma ideia, em 2015, a Ford era a quarta montadora no Brasil e com uma fatia de 10,24% do mercado. No ano passado, foi a quinta com 7,14% de participação. Em 2019, foi pior ainda: ocupou a sétima posição.

E apesar da retomada do setor automotivo a partir de 2017, a empresa não conseguiu subir na mesma velocidade. Em 2019, a Ford viu as suas vendas de veículos caírem mais de 10% em comparação aos resultados do ano anterior. Nesse ano, as vendas subiram quase 9%, segundo a Fenabrave. Nessa toada, a sul-coreana Hyundai abocanhou a quarta posição.

Um sinal de que havia algo estranho no ar também pode ser visto no calendário de lançamentos da empresa, ocorrido em dezembro.  Em coletiva de imprensa, Watters confirmou o lançamento de quatro novos modelos para a região, todos produzidos fora do país.

O utilitário Transit, uma nova versão da picape Ranger, a edição limitada do esportivo Mustang, o Mach 1 e o novo SUV global da marca, o Bronco.

Nenhum sinal dos outros veículos.

Em 2019, para completar, a empresa anunciou o fechamento de sua fábrica em São Bernardo do Campo (SP), onde montava caminhões e o Fiesta, que foi um dos seus modelos de maior sucesso no Brasil. 

via CNN Brasil

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