Mas como Assad chegou tão perto de ganhar essa guerra brutal e sangrenta?
Uma investigação conjunta do programa BBC Panorama e do Serviço Árabe da BBC revela pela primeira vez como armas químicas tiveram um papel crucial em sua estratégia.
Fonte: BBC Panorama e investigação do Serviço Árabe da BBC. Mapas feitos com Carto.
1. Houve um amplo uso de armas químicas
A BBC concluiu que há evidências suficientes para dizer com confiança que houve ao menos 106 ataques químicos na Síria desde setembro de 2013, quando Assad assinou a Convenção de Armas Químicas (CWC, na sigla em inglês), um tratado internacional que proíbe a produção, a estocagem e o uso desses armamentos, e concordou em destruir as armas químicas que detinha.
A Síria ratificou o acordo um mês após ataques químicos ocorrerem em diversos subúrbios da capital, Damasco, envolvendo o agente nervoso sarin e deixando centenas de mortos.
O sarin é um composto químico inodoro e incolor considerado 20 vezes mais mortífero que o cianeto. Assim como com todos os agentes nervosos, ele inibe a ação de uma enzima que auxilia no controle das células nervosas do organismo.
O coração e outros músculos, inclusive aqueles envolvidos na respiração, entram em espasmos. A exposição a ele pode levar à morte por asfixia em questão de minutos.
As imagens terríveis de vítimas convulcionando em agonia chocaram o mundo. Autoridades ocidentais disseram que os ataques só poderiam ter sido realizados pelo governo, mas Assad culpou a oposição.
Quando os Estados Unidos ameaçaram usar força militar em retaliação, um aliado-chave de Assad, a Rússia, o convenceu a eliminar o arsenal químico da Síria.
Apesar de a Organização pela Proibição de Armas Químicas (OPCW, na sigla em inglês), uma ONG com sede em Haia, na Holanda, e a Organização das Nações Unidas (ONU) terem destruído 1,3 mil tonelada de armamentos entregues pelo governo sírio, os ataques químicos continuaram no país.
“Ataques químicos são aterrorizantes”, diz Abu Jaafar, que viveu na região da cidade síria de Aleppo, controlada pela oposição até 2016, quando foi retomada pelo governo.
“Uma bomba ou míssil mata as pessoas instantaneamente sem que elas sintam, mas produtos químicos sufocam. É uma morte lenta, como afogamento, por privação de oxigênio. É horrível.”
Mas Assad continua a negar que tenha usado armas químicas.
“Não temos um arsenal químico desde que abrimos mão do nosso em 2013”, ele disse neste ano. “[A OPCW] investigou, e ficou claro que não temos.”
O que são armas químicas?
A OPCW, que supervisiona a implementação da Convenção de Armas Químicas, diz que uma arma química é um produto químico usado para ferir ou matar intencionalmente por meio de suas propriedades tóxicas.
O uso de armas químicas é proibido por leis internacionais de direitos humanos independentemente da presença de um alvo militar válido, já que os efeitos destas armas são indiscriminados por natureza e pensados para causar danos excessivos e sofrimento desnecessário.
Desde 2014, a Missão de Apuração de Fatos (FFM, na sigla em inglês) da OPCW na Síria e o agora desfeito Mecanismo de Investigação Conjunta OPCW-ONU analisaram alegações do uso de químicos tóxicos para fins hostis no país.
Eles determinaram que 37 inicidentes envolveram ou provavelmente envolveram o uso de produtos químicos como armas entre setembro de 2013 e abril de 2018.
Enquanto isso, a Comissão Internacional de Investigação Independente do Conselho de Direitos Humanos da ONU na Síria e outros órgãos afiliados à ONU concluíram que há motivos razoáveis para acreditar que armas químicas foram empregadas em 18 outros casos.
O Panorama e o Serviço Árabe da BBC examinaram 164 relatos de supostos ataques químicos que teriam ocorrido desde que a Síria assinou a CWC, há pouco mais de cinco anos.
A equipe da BBC concluiu haver evidências confiáveis de que armas químicas foram utilizadas em 106 destes incidentes.
“O uso de armas químicas gerou resultados para [forças do governo] que eles acreditam valer o risco, e foi demonstrado que [armas químicas] valem esse risco, porque eles continuam a usá-las, repetidamente”, disse Julian Tangaere, ex-chefe da missão da OPCW na Síria.
Karen Pierce, representante permanente do Reino Unido na ONU, descreveu o uso de armas químicas na Síria como “vil”. “Não apenas por causa dos seus terríveis efeitos, mas porque são armas banidas, proibidas há quase cem anos”, ela afirmou.
A equipe da BBC levou em conta 164 relatos de ataques químicos a partir de setembro de 2013.
Os relatos foram feitos por uma série de fontes amplamente consideradas imparciais e que não estão envolvidas no conflito. Isso inclui órgãos internacionais, grupos de defesa de direitos humanos, organizações médicas e centros de estudos.
Em linha com investigações realizadas pela ONU e pela OPCW, pesquisadores da BBC, com a ajuda de vários analistas independentes, revisaram os dados disponíveis para cada um dos ataques relatados, inclusive relatos de vítimas e testemunhas, fotografias e vídeos.
A metodologia da equipe da BBC foi checada por pesquisadores e especialistas.
Os pesquisadores da BBC desconsideraram todos os incidentes em que havia apenas uma fonte ou em que foi concluído que não havia evidências suficientes. Levando tudo em conta, foi concluído que havia evidências suficientes para afirmar que armas químicas foram usadas em 106 incidentes.
A equipe da BBC não teve autorização para filmar na Síria e não conseguiu visitar os locais dos incidentes relatados e, portanto, não foi capaz de comprovar as evidências.
No entanto, foi levada em consideração a força das evidências disponíveis em cada caso, incluindo imagens em vídeo e fotografias de cada incidente, assim como detalhes sobre a localização e o momento em que ocorreram.
O maior número dos ataques relatados ocorreu na província de Idlib, no noroeste da Síria. Também houve muitos incidentes nas províncias vizinhas de Hama e Aleppo, e na região de Ghouta oriental, próxima a Damasco, segundo os dados da BBC.
Mais em https://g1.globo.com/mundo/noticia/2018/10/16/como-armas-quimicas-ajudaram-assad-a-estar-perto-da-vitoria-na-siria.ghtml