Manaus, 26/04/2024

Brasil

Na área mais desertificada do país, comunidade cria ‘oásis’ com ajuda da tecnologia

Pastagem abundante em Irauçuba, resultado de ações contra a desertificação. — Foto: Gioras Xerez/Sistema Verdes Mares
Pastagem abundante em Irauçuba, resultado de ações contra a desertificação. — Foto: Gioras Xerez/Sistema Verdes Mares
07/05/2023 13h30

O agricultor José Marcelino, 80 anos, convive há mais de setenta décadas com o solo infértil da zona rural da cidade de Irauçuba, no Ceará. O município, junto com Gilbués (PI), Seridó (RN) e Cabrobó (PE), compõe a área de mais avançado processo de desertificação do Brasil.

Zelino, como é conhecido na comunidade onde mora, Mandacaru, nasceu em Sobral e se mudou ainda criança, com os pais, para a zona rural de Irauçuba, a 154 km de Fortaleza.

“Meus pais saíram de Sobral para fugir da seca, mas quando chegamos a Irauçuba, o negócio estava era pior. A terra era dura demais e, mesmo quando caía uma aguinha, ela ficava seca, virava poeira. Para colher alguma coisa, era complicado”, afirmou.

O agricultor familiar Zélino convive desde os oito anos com a terra improdutiva de Irauçuba.  — Foto: Gioras Xerez/Sistema Verdes Mares
O agricultor familiar Zélino convive desde os oito anos com a terra improdutiva de Irauçuba. — Foto: Gioras Xerez/Sistema Verdes Mares

O que Zelino chama de “terra dura” é o terreno rochoso, característico da área, seco e submetido a um baixo volume de chuva, resultado também de décadas de queimadas e monoculturas que sugaram seus nutrientes. O processo pelo qual o solo vai se tornando empobrecido até ficar improdutivo chama-se de desertificação.

“Era difícil encontrar por aqui na cidade terra boa para se plantar, o solo era sem vida. O feijão nascia, às vezes, mas não se desenvolvia. A planta morria logo. O milho não brotava. Nem o capim, que dá em todo canto, não nascia”, disse outro agricultor João Alcides Pereira, da mesma comunidade.

Ao longo do tempo, Zelino viu a vida melhorar. Em comparação ao que tinha há 20 anos, atualmente possui um “mar verde” no quintal de casa, graças à implantação de duas tecnologias: os cordões de pedra e as chamadas Barragens Base Zero (BBZ). As barragens e os cordões “seguram” os nutrientes na terra.

“Os agricultores recebem nossa ajuda técnica e orientações e aplicam no seu dia a dia. Em Mandacaru, por exemplo, fizemos os cordões de pedra e as barragens de contenção. São pequenas ações com objetivo de conter a água no solo e minimizar a erosão, por exemplo. E essas ações fazemos desde 2012”, explica o técnico da secretaria de Agricultura de Irauçuba Ivan Braga.

Causas da desertificação em Irauçuba:

  • É uma das cidades com menor volume de chuva no Ceará, de acordo com a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídrico. Mas a desertificação é causada também por ação humana;
  • Há cerca de 60 anos, plantações de algodão intensificaram o desgaste do solo; na década de 1970, o desmatamento e as queimadas foram práticas predominantes na região.
  • As queimadas anuais degradaram a terra; a monocultura (plantação das mesmas sementes todos os anos) absorveu os mesmos nutrientes, exaurindo o solo;
  • Quando chove, o fluxo de água remove uma camada de terra fundamental para desenvolvimento agrícola.

A desertificação afeta atualmente 30 milhões de pessoas em oito estados do Nordeste e do norte de Minas Gerais, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Mas o processo é ainda mais intenso e acelerado, segundo o Ministério, em Cabrobó, Irauçuba, Seridó e Gilbués. A degradação do solo, a redução da cobertura vegetal, a diminuição da disponibilidade de água e o aumento da erosão são características dessas áreas.

Codões de pedra e barragens

A técnica em meio ambiente que atende a comunidade, Antônia Karina de Araújo Braga, da Fundação Araripe, explica que a implementação das barragens em riachos da região e a instalação dos cordões de pedra possibilitaram a recuperação do solo e trouxeram uma nova vegetação.

As BBZs têm até um metro altura e são formadas de pedras encaixadas, deixando espaço para a água passar. Segundo a especialista, a barragem de contenção evita a entrada e depósito de sedimentos no fundo dos açudes, rios e riachos o que pode esgotá-los, além disso, revitalizam o solo. Dez famílias são beneficiadas pelas BBZs.

Já o cordão de pedra é a barreira que reduz a velocidade das enxurradas. Os cordões forçam o acúmulo de nutrientes, induzem o aumento da profundidade, a infiltração e armazenamento da água no solo. Vinte e seis famílias desfrutam desse projeto na região.

A instalação dessas tecnologias na comunidade começou em 2012 financiada pelo Fundo Clima, vinculado ao MMA, em parceria com a Fundação Araripe (a partir de 2014) e o Instituto Cactos. Os projetos custaram R$ 775 mil para serem implantados.

“Esse cordão de pedra faz a contenção de solo e água. Foi implantado nessa área que estava com muita desertificação, justamente para recuperar o solo e água. Ele foi implantado aqui em curva de nível com essa declinação. Quando a água vinha aqui escorria tudo. Então, agora [com a implantação do cordão] o solo vai ficando e a água também vai se infiltrando”, disse Karina.

Acima do cordão pode se ter cultura de sequeiro (típica de áreas secas). E Zelino, também apicultor, cultiva sabiá, uma planta que aduba o solo e atrai abelhas.

Em terras onde não nascia nem capim há cerca de cinco anos, hoje são colhidos feijão e milho. Agricultores viram o cenário mudar no quintal de casa. Esses produtores recebem treinamento, criam as barreiras e evitam queimadas, resgatando a produtividade que o solo tinha há cerca de 60 anos.

“Eu nunca deixei de plantar. A esperança do agricultor é grande demais. Eu plantava e saía para fazer outra coisa. Era vaqueiro e tentava me virar com leite e queijo. Às vezes pegava algo após a quadra chuvosa, porém pouquinho demais. O que pegava da terra dava só para alimentar as galinhas, no caso do milho e o feijão ficava para gente comer”, conta.

“Vamos trabalhar nas comunidades como Mandacuru, Boqueirão, Riacho do Meio e Carnaubinha. Distribuiremos plantas melíferas, frutíferas, e também plantas da nossa caatinga. Graças à recuperação de solos. Vamos produzir 50 mil mudas, isso para 2024”, afirmou Karina. “Estamos focando em áreas onde localizamos desertificação. Em locais onde os solos ainda estão desagradados pela ação humana”, completou Karina.

Vida difícil e aprendizado

Apesar de uma vida cheia de percalços, Zelino não perde tempo em reclamar. Sorrindo e olhando para a mesa da sala farta com um bom almoço comemora a saúde dos 11 filhos, seis netos e quatro bisnetos.

“Com a mulher cuidei bem dos meus filhos. Todos são trabalhadores. Uns entraram na minha mesma vida, de homem do campo, outros seguiram seu rumo. Mas aqui ninguém reclama. Nunca reclamou e tenho orgulho disso. Mesmo com pouca comida deu para sustentá-los e a maioria estão na mesa. Vão tudo comer”, conta.

A casa de Zelino recebe os encontros com os técnicos do meio ambiente, por exemplo, do Projeto Pomares da Caatinga. Durante o debate são discutidas a distribuição das sementes, a organização do solo e melhorias para os projetos.

“Ninguém nasce sabendo das coisas. A vida é um aprendizado. Aprendo muito com meus pais, amigos e outras pessoas. Graças a vivência conquistamos experiência, porém, digo aqui para os agricultores da região daqui. Sempre bom ouvir os técnicos. Isso é muito importante”, lembrou.

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