Manaus, 07/05/2024

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O SHOPPING CENTER DE LUXO QUE VIROU CENTRO DE TORTURA DE PRESOS POLÍTICOS NA VENEZUELA

O SHOPPING CENTER DE LUXO QUE VIROU CENTRO DE TORTURA DE PRESOS POLÍTICOS NA VENEZUELA
28/01/2019 18h00

No centro de Caracas, a capital da Venezuela, um edifício parece ter saído de um filme de ficção científica.

O Helicóide – El Helicoide – foi idealizado como símbolo de um país rico e promissor.

Atualmente, no entanto, abriga uma das prisões mais violentas da Venezuela e retrata o declínio de uma nação que está à beira do colapso.

Na semana passada, a crise que o país atravessa ganhou um novo capítulo: o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, se declarou presidente interino com o apoio de outros países, como o Brasil e os Estados Unidos.

‘Modernidade instantânea”

O Helicóide foi construído nos anos 1950, quando a Venezuela, empurrada pelo lucro das exportações de petróleo, sonhava alto.

Naquele momento, o mundo era reconstruído após a Segunda Guerra Mundial, e o ditador venezuelano Marcos Pérez Jiménez queria projetar uma imagem de um país do futuro.

“Investiu-se muito nesta ideia de modernidade instantânea”, diz Lisa Blackmore, coautora do livro Downward Spiral: El Helicoide’s Descent from Mall to Prison (“Espiral descendente: o declínio do Helicóide de shopping center para prisão”, em tradução livre) e diretora de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Essex, no Reino Unido.

“A Venezuela é um país que, em 1948, passou a ser governada por ditadura militar, cujo lema era: ‘Vamos progredir se construirmos'”.

O Helicóide seria o primeiro shopping center drive-thru do mundo, com rampas ascendentes levando às 300 lojas planejadas para o complexo. Era tão grande que podia ser visto de qualquer lugar de Caracas.

“Este é um edifício absolutamente icônico; não havia nada parecido em toda a América Latina”, Blackmore diz.

Mas Pérez Jiménez foi derrubado em 1958 e esse ambicioso projeto acabou se tornando um imenso elefante branco.

Pesadelo

Por anos, grande parte do edifício permaneceu vazia. Mas, nos anos 80, o governo começou a transferir algumas agências para o Helicóide, sendo a mais importante o SEBIN (Serviço Bolivariano de Inteligência).

A reportagem da BBC Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC, conversou com ex-prisioneiros, familiares de detentos, advogados, ONGS e também dois ex-agentes penitenciários para reconstruir pela primeira vez seu interior.

Eles nos pediram para proteger suas identidades porque têm medo de represália do governo.

Rosmit Mantilla chegou ao Helicóide em maio de 2014. Ele foi uma das mais de 3 mil pessoas presas durante os protestos anti-governo que sacudiram o país.

Aos 32 anos, já era um conhecido ativista político e defensor dos direitos LGBT.

Durante sua prisão, Mantilla se elegeu deputado federal na Assembleia Nacional da Venezuela, tornando-se o primeiro parlamentar assumidamente gay do país.

Turbulência política e econômica

Ao mesmo tempo em que a vida na Venezuela ficava cada vez mais difícil, com a inflação nas alturas, escassez de comida, produtos básicos e medicamentos, e serviços públicos à beira do colapso, no Helicóide, o cotidiano era dinâmico.

Ônibus lotados de prisioneiros chegavam à prisão todos os dias.

Estudantes, ativistas políticos e algumas vezes pessoas, incluindo crianças, foram presas porque estavam no lugar errado e na hora errada.

Mantilla foi acusado de ajudar a financiar os protestos. Ele nega as acusações.

Manuel, um ex-agente penitenciário, se lembra bem de Mantilla.

“Ele era um desses detentos que nunca deveriam ter estado lá”, diz Manuel.

Disseminando medo

O ex-agente penitenciário disse à BBC Mundo: “Ao prender muitas pessoas, o objetivo era disseminar medo na população”.

“E acho que eles foram bem-sucedidos nisso, de certa forma. Porque, atualmente, quando há um protesto ou uma passeata, muitos venezuelanos ficam com medo porque não querem ser presos”.

Os prisioneiros do Helicóide esperavam dias, semanas e até meses para serem julgados.

“O SEBIN é uma instituição cuja missão é produzir inteligência e informação. Mas faz tempo que esse não é o seu papel. Seu papel é defender um regime, uma ditadura”.

Durante seu tempo na prisão, que durou dois anos e meio, Mantilla diz que sentia medo o tempo todo.

Mesmo assim, senti-se obrigado a documentar a tortura e a crueldade que aconteciam diariamente no Helicóide.

‘Guantánamo’

Quando chegou ao Helicóide, em 2014, Mantilla diz que só havia 50 detentos. Dois anos depois, já eram 300.

Com o aumento no número de detentos, os guardas tiveram de improvisar mais espaço.

Salas comerciais, banheiros, escadas e espaços projetados para serem lojas foram convertidos em celas.

Os prisioneiros as batizaram com nomes como Aquário, Tigrito e Infernito.

Prisioneiros chamavam celas do prédio Helicóide de diferentes nomes; a pior era a conhecida como Guantánamo — Foto: BBC

Prisioneiros chamavam celas do prédio Helicóide de diferentes nomes; a pior era a conhecida como Guantánamo — Foto: BBC

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